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#Sol na Cara

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Além da relação, de sol/luz, esperança de mudança, apesar de ir contra a convenção, deixando o suor escorrer, sem se cansar!

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Observando a pintura após o processo de instauração visualizo facilmente as referências mais diversas dentro das minhas produções: o contraste de cores, a mescla do fundo chapado que toma forma no corpo das figuras, os momentos fugidios, os instantes, e a necessidade de sublimar as figuras como fantasmas de um momento que se perde por permanecer em um milésimo de segundo no passado. “Ele sentiu a necessidade de uma nova forma e um novo desenho que se adaptassem intimamente a uma nova cor. Toda a sua vida, toda a sua obra transcorrem nessa busca” (LÉGER, 1989, p. 22). Uma das primeiras telas dentro da pesquisa, o processo foi semelhante a muitas outras: necessitei recomeçar diversas vezes até encontrar a representação e as cores que expressassem o momento retratado.


A figura masculina está em uma posição que impõe o movimento no corpo feminino ao segurar o seu rosto para beijá-la, enquanto a mulher se encontra ajoelhada. “Se os seres ínfimos não tivessem, inicialmente, à sua maneira, uma existência interior, nenhuma complexidade poderia fazê-la aparecer” (BATAILLE, 2004, p. 25). No entanto, um detalhe muda a interpretação e reforça a atração e a fascinação para o feminismo. “Eu somente quis evocar, de maneira paradoxal, as mudanças ínfimas de que se trata, que estão na base de nossa vida” (idem). É o fato de que o rosto do homem não está plenamente visível. Mesmo com sua presença imponente nas obras, seu rosto está escondido, mergulhado no corpo feminino.

Por não preencher todo o espaço da peça, as lacunas deixadas pela posição causam uma sensualidade e uma impressão intimista. Fazendo citação à fase dourada de Gustav Klimt, opta-se por usar a cor intensa. “Os contrastes pictóricos, empregados em sua acepção mais pura (complementares de cores e de linhas, de formas), são, doravante, os elementos básicos dos quadros modernos” (LÉGER, 1989, p. 24). A forma não linear em que estão dispostas as linhas remete às pinturas em que havia conflito entre o real e o irreal. A obra fica com o caráter abstrato sensual.

Os corpos se fundem em uma única massa: é o momento da plenitude. É a conjunção entre os amantes. As curvas são compreendidas como elementos da feminilidade, e em alguns casos, uma das figuras encontra-se oculta, fazendo-se presente apenas pelo título da pintura.

Na segunda pintura do Beijo, alguns elementos se mantêm: a posição de enlace, de dominação, de repelir; os dois corpos mergulhados em um só. Aqui as duas figuras estão ajoelhadas e a composição alcança um maior preenchimento, no entanto a grandeza da pintura só é perceptível a olho nu. Aqui foi feita uma citação do pintor Egon Schiele pelo uso das cores.


A dimensão da tela é proporcional à profundidade que queria transmitir ao retratar a cena. Ao mesmo tempo em que o olhar é levado de baixo para cima ou de cima para baixo, ele sempre se volta ao rosto do casal. Acabou por se tornar uma pintura mais romantizada do que erótica, da qual procuro trabalhar sob a influência direta do artista Egon Schiele. E ao contrário de outros trabalhos, as figuras se posicionam diretamente ao centro da tela, na justificativa de que mesmo se tratando de um momento bem íntimo, é uma imagem costumeira para a maioria. Acredito que são evidentes as referências colhidas e admiradas na obra do artista Gustav Klimt. Apesar de não trabalhar com as mesmas cores utilizadas pelo artista, e me desprender das mesmas cores utilizadas nas demais telas – a verde, a vermelha e a laranja – a posição das mãos do homem se situa quase do mesmo modo na obra do artista.

A pintura cativa o olhar por trabalhar com possibilidades, ao sugerir o que não é. Diz Lacan (1979) que “o olhar é sempre algum jogo da luz com a opacidade. O que é luz, no fundo do meu olho algo se pinta” (Lacan, 1979, p.75). O quadro, certamente, está no meu olho. Mas eu estou no quadro: como anteparto, como mancha – como uma anamorfose. Talvez. “Ao lado da transformação da própria forma e, por assim dizer, do método da arte” (DUARTE, 2002, p. 291).

Na pintura Saturno Devorando o Filho, há uma quebra no formato da composição. A pintura, uma citação da obra homônima de Francisco Goya, apresenta um homem visto de frente, em uma posição sexual. Embaixo, apenas se vê o início amorfo de outra figura, que é apenas constituída no universo pictórico a partir do título da obra. Ela apenas se faz presente pela narrativa.


A forma se constitui de cores quentes, acentuando movimento na pintura. A figura se sobrepõe ao plano de fundo, em um aparente, mas propositado caos visual. “Ao divisionismo da cor, por mais tímido que seja, mas que existe nos impressionistas, não sucede um contraste estático, mas uma busca semelhante no divisionismo da forma e do desenho” (LÉGER 1989, p. 24). A mesma poética se admite na obra abaixo:


Uma obra de arte deve ser significativa em sua época, como toda e qualquer outra manifestação intelectual. Por ser visual, a pintura é, necessariamente, o reflexo das condições externas, e não psicológica. Toda obra pictórica deve comportar esse valor momentâneo e eterno, que é responsável por sua duração fora da época de criação.

O homem moderno registra cem vezes mais impressões do que o artista do século XVIII; a tal ponto, por exemplo, que nossa linguagem está cheia de diminutivos e de abreviações. A condensação do quadro moderno, sua variedade, sua ruptura das formas, é a resultante de tudo isso. [...] Pensam tratar-se de uma brusca solução de continuidade, quando, ao contrário, a pintura nunca foi tão realista e colocada à sua época quanto hoje Uma pintura realista, em seu sentido mais elevado, está começando a nascer e não vai se deter tão cedo (LÉGER, 1989, p. 29-30).

Se a expressão pictórica mudou, é porque a vida moderna tornou-se necessária. A existência dos homens criadores modernos é muito mais condensada e mais complicada do que a das pessoas dos séculos precedentes. A coisa representada por imagem fica menos fixa o objeto em si mesmo se expõe menos do que antes.



Dos traços femininos às relações sexuais as figuras migram-se, como se vê na pintura Cópula. A obra é uma citação à Arte da Grécia Antiga, mais especificamente a pintura em cerâmica. Essa pintura constituiu uma esfera particular a partir do período clássico, com técnicas e estética diferenciadas. É uma arte rica em soluções plásticas, de grande beleza e efeito decorativo.


O casal é eternizado em um momento específico da relação sexual. De início mantive o mesmo padrão de forma, mesclando figura e fundo, mas mantendo as características das pinturas na cerâmica. O hibridismo dos corpos é o clímax da pintura.

Na pintura Lavanda, a essência foi a mesma, com relação à união dos corpos, o feminino e o masculino em uma só massa, se mesclando.


A referência aqui foi a arte japonesa. Uma característica pessoal é não utilizar todo o plano de composição. Utilizei o suporte como experimento de outra técnica. Acoplei lápis de cera na tela e os derreti com o secador de cabelo. De início o resultado era imprevisível, mas depois foi possível dominar o rumo da tinta. O resultado foi o esperado. As características de se mesclar o fundo com as figuras permaneceram e a pintura ganhou uma profundidade marcante.

O nome da obra é uma referência ao termo utilizado pelo presidente norte-americano Eisenhower às lésbicas. Eles deram um nome, então todos sabiam o que odiar. Lavanda era como as chamavam. É uma doce flor; como pode uma flor machucar alguém?


Nesta pintura, comecei um estudo sobre cor e contraste dentro do erotismo, cravando este último com uma série de definições. O contraste é testemunho dos sentidos porque suas imagens são palpáveis, visíveis, audíveis. Ao mesmo tempo, emitem reflexos e nuances. “Uma maçã verde sobre um tapete vermelho, para os impressionistas, não é mais a relação entre dois objetos, mas a relação entre dois tons, um verde e um vermelho” (LÉGER 1989, p. 21). Com o contraste, vê-se o imperceptível. O autor acrescenta:

Para chegar à construção pela cor, é preciso que, do ponto de vista valor (pois, afinal, isso é o que conta), os dois tons se equilibrem, em outras palavras, se neutralizem: se o plano colorido verde, por exemplo, for mais importante do que o plano colorido vermelho, não há mais construção. Vocês estão vendo aonde leva isso. Os neo-impressionistas fizeram a experiência há muito, e não tem sentido repeti-la (LÉGER, 1989, p. 35).

O ato erótico assim se assemelha. No momento mais intenso do abraço, o parceiro se dispersa em cascata de sensações. A linguagem da poesia, traço material, nomeia o fugaz e o evanescente.


  

O díptico Fantasmas se advém do estudo citado. A tríade cor-erotismo-expressão se revelou em predominância na segunda pintura. “Há o peso dos volumes, as relações das linhas, os equilíbrios das cores. Tudo isso necessita de uma ordem absoluta” (LÉGER, 1989, p. 54). O erotismo é cerimônia, representação, é sexualidade transfigurada. Metáfora da sensualidade animal designa o que está além da realidade que lhe dá origem. Propõe outra classe de comunicação, regulada por leis diferentes do dia-a-dia. Contraste e erotismo nascem dos sentidos, mas não terminam neles. Ao se soltarem, inventam cores e cerimônias.
Retornando às linguagens híbridas, aqui há uma manifestação não só nas linguagens (pintura e fotografia), mas também um hibridismo de figura e fundo na composição.  Surge assim outro tipo de contraste.


Para alguns a arte contemporânea não passa de um saudosismo. Acho que são as mortes (morte do gênio, morte da história) querendo reivindicar ressurreição. Dessa maneira, se o termo "arte" está nessa convulsão toda, à terminologia "artista", está a caminho. Os engenheiros, tecnólogos, designers, inventores vêm vindo com tudo. E não ficam só na problematização, eles afirmam. E os hibridismos correm nas veias dos conceitos e debates. Uma maravilha, porque o contemporâneo também é isso. Léger (1989) aborda dentro de sua discussão essa pesquisa de intensidades dentro do plano pictórico.

A composição por contraste multiplicativo, empregando todos os meios pictóricos, permite, além de uma maior experiência realista uma certeza de variedade. De fato, em vez de opor dos meios expressivos numa relação imediata e adicional, você compõe um quadro de tal modo que grupos de formas similares se opõem a outros agrupamentos contrários. Se você distribuir sua cor com o mesmo espírito, isto é, uma adição de tons similares, colorindo um desses agrupamentos de formas contra uma mesma adição contrária, você obterá, assim, fontes coletivas de tons, linhas e cores agindo contra outras fontes contrárias e dissonantes. Contraste = dissonâncias, por conseguinte, máximo efeito de expressão. [...] Você obterá efeito máximo (LÉGER, 1989, p. 35-36).

Como qualquer um pode fazer arte, tem até sentido dizer que qualquer um faz, essa arte que não é arte. O discurso atual satura o termo para essas manifestações.
Atualmente é inviável validar uma obra pelos recursos que utiliza, pela técnica, pela excelência ou primor da habilidade manual do artista. A arte contemporânea não renega o uso dos materiais, não falta habilidade artística.  
A fotografia se esforçou ao longo do século XX para anular esse vínculo com o real, destacando seu caráter artificial e sua capacidade de transformar o mundo captado pela câmara. Ainda que a fotografia documental tenha mantido sua vitalidade, tentou-se sempre delinear uma noção de fotografia artística marcada pelas possibilidades de manipulação e reconstrução da realidade, o que garantiria a ligação dessa produção com o imaginário de seu autor (idem, p. 198).

O hibridismo não segue sempre o mesmo rumo e por isso utiliza diferentes materiais e outras formas de abordagem. O artista deve ser livre e não se submeter às palavras de ordem vigentes. Essa discussão, embora ela não seja atual, é importante. O tempo atual é o da incerteza.

Assim a linguagem da fotografia, nesse momento, não só se utiliza da composição advinda da pintura, como também se propõem empenhada a representar a realidade tal qual, podendo assim ser considerada por não só como a representação do real, mas sim a própria realidade incontestável. O movimento chamado pictorialismo é o maior exemplo dessa ligação inicial da fotografia com a pintura.  (Ibidem, p. 196).

Alguém que queira vender uma teoria da arte curta, sintética e universalizada não pode convencer, pois certamente estarão falando de um lugar, de sua esfera, seus pares e daquilo que vê, mas não podemos ver o mundo como um todo; a informação não é o saber. Vemos uma luta pelo poder crítico; a arte de hoje é isso, a arte de hoje é aquilo.
Talvez o saber científico devesse se renovar escutando a dimensão da natureza. Existe uma nova demanda ou forma de o homem atuar no mundo, um modo mais humilde e dinâmico de participar com o seu saber. As certezas desmoronam a consciência das interações entre o campo científico e cultural, a renovação dos modelos, o desemparedamento das disciplinas, e por isso, os espaços novos de criação e invenção. Um saber mais modesto se constitui frente às pretensões da ciência clássica, mas ambicioso nas suas formas de acontecimento.

A famosa disputa pelo poder dos conceitos, pelos pós-, neo-(s), ou quão ainda virão, fica desqualificada a partir do momento em que lidamos naturalmente com os novos saberes, que consideram o novo e o antigo como equivalentes e igualmente importantes.

Referências


BARBOSA, A. M. H. M. Salles (orgs). O ensino de arte e sua história. São Paulo, MAC/USP. 1990

BATAILLE, George. O Erotismo. Trad. de Cláudia Fares. são Paulo: Arx, 2004.

CLARK, T.J. A pintura da vida moderna: Paris na arte de Manet e de seus seguidores. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

DIAS, Maria Heloísa Martins. A Estética Expressionista. Cotia, Íbis, 1999.   

DUARTE, Rodrigo... [et al.]. Kátharsis: reflexos de um conceito estético. Belo Horizonte: C/Arte, 2002.

FABRIS, Annateresa. Identidades Virtuais: Uma leitura do retrato fotográfico. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004.

LACAN, J. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1979.

LÉGER, Fernand, Funções da pintura. São Paulo: Nobel, 1989.

SOUZA, Daniel Rodrigo Meirinho. Passages de Paris Édition Spéciale (2009).

VALÉRY apud REY, SANDRA. Da prática à teoria: três instâncias metodológicas sobre pesquisa em poéticas visuais. In: Porto Arte. V.7, n.13, p.83-84, 1996

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